A desafiadora tarefa de desenvolver uma comunicação capaz de educar os públicos precisa ser compreendida por todos. Utilizar redes sociais de forma a ensinar também reforça o papel transformador do cristão na vida de outras pessoas.
Uma das ordens mais emblemáticas proferidas por Jesus Cristo sobre a missão confiada aos seres humanos está na parte final dos evangelhos. A chamada Grande Comissão apresenta alguns detalhes que merecem uma observação mais atenta. Mateus faz um registro no capítulo 28, versículos 19 e 20, que diz: “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que tenho ordenado a vocês. E eis que estou com vocês todos os dias até o fim dos tempos” (Nova Almeida Atualizada).
Permita-me destacar duas expressões essenciais na declaração de Jesus: fazer discípulos e ensinar. As duas ideias estão conectadas e tratam de educação, pois o conceito de discipulado, evidentemente, não se limita a alguém que apenas comunica dados ou informações às pessoas, mas vive o ensino. A missão cristã é essencialmente direcionada a educar ou ensinar as pessoas. E o ensino é um conceito totalmente ligado à comunicação da mensagem.
Ensino e comunicação andam juntos quando se trata de cumprir com a ordem divina acerca da pregação do evangelho. Um dos grandes desafios atuais, no entanto, é conseguir desenvolver a comunicação que ensina em um ambiente digital extremamente hostil e permeado por interesses distantes da ideia de ensino.
A comunicação que educa ou ensina é desafiadora. Está preocupada em desenvolver, nos públicos, um pensamento reflexivo e transformador. Nem sempre a comunicação baseada no ensino impacta uma multidão e, provavelmente, não oferece conteúdos capazes de “viralizar” entre milhões de seguidores. Ao longo do artigo, no entanto, vamos desenvolver um pouco mais essa ideia.
Qual é a lógica nas plataformas digitais?
Mas, primeiramente, alguns aspectos precisam ficar mais claros. É preciso entender um pouco acerca da lógica que norteia as plataformas digitais, em especial o ambiente de redes sociais. É inegável o valor e a oportunidade que se abrem para ministros do evangelho compartilharem mensagens bíblicas a públicos em busca de conteúdo edificante. Alguns, inclusive, usam sua influência e produzem materiais de altíssima qualidade no evangelismo digital.
Esse movimento é excelente e tem resultados que dignificam o nome de Deus. A dimensão completa da operação das redes sociais, no entanto, precisa ser vista e compreendida por ministros adventistas. A jornalista Madeleine Lacsko, em um curioso livro lançado em 2023 a respeito de fenômenos como a cultura do cancelamento, explica um pouco do conceito das plataformas digitais e seus interesses. Ela afirma que “o negócio das redes é mostrar às pessoas postagens sob medida para elas passarem o máximo de tempo usando produtos da plataforma. Por isso, as postagens que têm animosidade contra o grupo oposto são mais distribuídas do que as outras”.[1]
Uma rápida observação em redes sociais como X (antigo Twitter), Instagram e até na área de chat do YouTube comprova a ideia expressada por Lacsko. Predominam disputas argumentativas, repletas de comentários agressivos, ofensivos, discriminatórios, preconceituosos e raramente educativos. Este é o tipo de comunicação que tem atraído milhões de pessoas a tais ambientes, resultando em grande tempo de permanência de conexão e longa exposição a conteúdos estrategicamente apoiados por marcas e grupos com interesses substancialmente financeiros.
Duas naturezas comunicacionais
É possível perceber a existência de duas naturezas opostas no que diz respeito ao tipo de comunicação empreendido hoje nas redes sociais.
Há essa comunicação agressiva e ofensiva, caracterizada por troca de acusações, ataques reputacionais, uso de palavras duras, informações parcialmente ou totalmente falsas, motivadas por um senso de vingança ou raiva incontida. Geralmente vem acompanhada de sarcasmo e costuma ser lembrada muito mais pelo clima de animosidade do que pelo conteúdo compartilhado.
Sobre este tipo de conduta, a escritora Ellen White, já no século XIX, fazia uma menção que não soa anacrônica. Preste atenção ao ensino encerrado em suas palavras: “Pessoas que treinaram a mente para guerrear contra a verdade são usadas para manufaturar enganos. E não mostraremos sabedoria tomando-os de suas mãos, e passando-os a milhares que jamais teriam pensado neles não tivéssemos nós os publicado ao mundo. É isso que nossos oponentes querem que façamos; querem ser notados e que publiquemos por eles”.[2]
Se desejar buscar na Bíblia amparo para tal tipo de comportamento esperado em redes sociais ou qualquer ambiente público, pode recorrer ao sábio Salomão. Está registrado em Provérbios 15:1 e 2 que “a resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira. A língua dos sábios adorna o conhecimento, mas a boca dos insensatos derrama tolices”. O desvio da ira vem com a iniciativa de adornar o conhecimento. É uma bela expressão poética que pode ser também compreendida como educar com respeito.
Os efeitos da comunicação que ensina, no entanto, podem ser mais duradouros e deixar marcas que produzirão um ciclo virtuoso de discípulos e discipuladores. Até porque o ensino e a comunicação transformadores exigem do agente ativo uma postura compatível com a sua mensagem. É um conjunto de comportamentos e uma forma agradável de comunicação que levam as pessoas a aprender. Lembra aquilo que Howard Hendricks sintetiza ao dizer que “para se ensinar é preciso buscar um equilíbrio entre o conteúdo e sua comunicação, entre os fatos e a forma, entre o que ensinamos e a maneira como o ensinamos”.[3]
Nas empresas, segundo estudos acadêmicos, há uma clara relação entre a chamada comunicação organizacional estratégica e o ensino e a aprendizagem, fatores que verdadeiramente levam à mudança dentro de uma organização. Segundo Schulz-Knappe, “a participação ativa dos funcionários através de uma comunicação transparente e inclusiva resulta em atitudes mais positivas e maior apoio às mudanças dentro da organização”.[4]
O autor está falando da comunicação organizacional, que vai além da divulgação de fatos de uma instituição apenas por meio de posts, notícias ou vídeos promocionais. Trata-se, no entanto, da comunicação que envolve a transmissão de mensagens e sentidos às pessoas por meio do que as organizações fazem e creem. E essa comunicação estimula as pessoas a aprenderem mais e a se desenvolverem e não a se limitarem apenas a um jogo interminável de brigas em ambiente virtual.
Neurociência e aprendizagem
A neurociência tem se aprofundado muito no entendimento acerca de como se desenvolve a aprendizagem. O tema é vasto e o foco neste artigo não é esquadrinhar as abordagens neurocientíficas. Mas é interessante registrar que já se conhece, atualmente, bem mais sobre as funções executivas do cérebro ligadas ao funcionamento do córtex pré-frontal.
Pesquisas apontam que essa área é responsável por atenção, controle inibitório, memória operacional, flexibilidade cognitiva, planejamento, entre outras habilidades. E o que estudiosos mostram hoje é que tudo isso pode ser aprimorado com um bom uso das capacidades cerebrais, desde as crianças até os adultos. E a educação sistemática é chave para isso. No resumo de um de seus livros, a neurocientista Carla Tieppo explica que “após tudo o que aprendemos sobre o cérebro, vimos que ele é plástico e pode aprender e se transformar sempre. Além disso, cabe ressaltar que as funções executivas também são aprimoradas com a prática…”. [5]
Dicas para praticar uma comunicação que educa
É interessante percebermos, por isso, que o conceito de comunicação que ensina está relacionado à vida em geral do cristão. Ficam, portanto, alguns conselhos aos que desejam ter uma experiência a partir da comunicação que ensina.
- A comunicação que ensina ou educa é uma oportunidade para ensinar a Bíblia e o estilo de vida cristão às pessoas e não tentar destruí-las, ofendê-las ou agredi-las em redes sociais, tomando parte em disputas argumentativas infindáveis com pouco êxito. Por meio de seus perfis em redes sociais, use a palavra com sabedoria, respeito e com a finalidade de ensinar.
- Crie meios de comunicar melhor os ensinamentos bíblicos na congregação local, escola ou local onde você exerce algum tipo de influência. Estabeleça, quem sabe, um programa com palestras e seminários sobre como ensinar a Bíblia no ambiente digital de forma criativa. Capacite membros, alunos e colegas de trabalho.
- Torne a mensagem bíblica o centro do seu ministério digital e não você, suas preferências pessoais ou suas ideias próprias. É certo que as pessoas se conectam com pessoas nas redes, e gostam de acompanhar a vida dos outros, mas ajude-as a enxergar algo além: seu testemunho como fiel condutor da Palavra de Deus.
“Procure apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (II Timóteo 2:15 – NAA).
Referências:
[1] LACSKO, Madeleine. Cancelando o cancelamento: como o identitarismo da militância tabajara ameaça a democracia. São Paulo, Brasil: LVM Editora, 2023.
[2] WHITE, Ellen. O outro poder. Tatuí, Brasil: Casa Publicadora Brasileira, 2010.
[3] HENDRICKS, Howard. Ensinando para transformar vidas. São Paulo, Brasil: Editora Betânia, 2022, p. 73.
[4] Schulz-Knappe, C., Koch, T., & Beckert, J. (2019). “The importance of communicating change: Identifying predictors for support and resistance toward organizational change processes”, Corporate Communications: An International Journal, Vol. 24 No. 4, pp. 670-685.
[5] TIEPPO, Carla. Uma viagem pelo cérebro: a vida rápida para entender neurociência. São Paulo, Brasil: Editora Conectomus, 2021, p. 246.